Dana Gioia
(1950) é um poeta californiano, de ascendência italiana e mexicana. Seu
currículo é muito extenso e bem peculiar. Em 1992 abandonou uma carreira bem sucedida como homem de negócios (tendo chegado a vice-presidente na General Foods) para trabalhar
exclusivamente como escritor e tradutor de poesia latina, italiana, alemã e romena.
Durante seu mestrado em literatura comparada na universidade de Harvard, foi
aluno de Elizabeth Bishop e Robert Fitzgerald. Tem cinco livros de poemas publicados
até aqui, dentre os quais o vencedor do American Book Award de 2002, Interrogations
at Noon. Gioia ocupou a presidência do National Endowment for the Arts, entre
2003 e 2009.
O poema “Angel with the broken
wing” foi traduzido em parceria com o poeta Eucanaã Ferraz. As traduções foram
originalmente publicadas na edição impressa do Jornal Rascunho, edição de Maio
de 2015.
Agradecimentos ao Dana Gioia, por
ter liberado os direitos autorais, ao Leonardo Marona pela gentil revisão, ao
Eucanaã Ferraz pela inesperada parceria na tradução desse belo poema, e,
finalmente, aos queridos Luiz Eduardo Freitas, Maíra Mathias e Rodrigo Carvalho de Abreu Lima,
por me ajudarem ao longo do contato estabelecido com o poeta estadunidense.
Marcelo Reis de Mello.
O
LUNÁTICO, O AMANTE E O POETA
DANA GIOIA
Tradução de Marcelo Reis de Mello
Nossas fábulas são falsas ou
verdadeiras,
Mas esse tampouco é o ponto.
Tecemos
A trama da nossa existência sem
palavras
E a estória certa nos diz quem
nós somos.
São possivelmente as palavras que
nos convocam.
A fábula é amiúde mais sábia do
que o fabulista.
Mais nua e crua é a verdade que
vestimos.
Então, deixe-me trazer esta
estória para nossa cama.
O mundo, eu digo, depende de um
feitiço
Dito a cada noite pelos amantes
ínscios
De sua própria magia. Na
inocência
Ou na agonia as mesmas palavras
devem ser ditas,
Ou a lua irascível escurecerá no
céu.
A noite ainda cresce. Os ventos
da aurora expiram.
E se eu estiver errado deve ser
por pouco.
Sabemos que nossa própria
existência veio do toque,
A luxúria convocando a nova alma
à vida.
E a tímida língua do amor
desperta em tal fogo –
Carne contra carne e secreto
murmúrio –
Como se o único desígnio do
desejo
Fosse revelar suas infinitas
dobras.
E assim, meu amor, somos dois
lunáticos,
Secretários da lua sem palavras,
Deitados acesos, juntos ou
separados,
Transcrevendo cada toque ou
dolorida ausência
Em nosso interminável, íntimo
parolear,
Corpo a corpo, nus para a noite,
Vestidos apenas com a nossa voz.
(Poema do
livro Pity the Beautiful, de 2012)
The Lunatic, the
Lover, and the Poet
Dana gioia
The tales
we tell are either false or true,
But
neither purpose is the point. We weave
The
fabric of our own existence out of words,
And the
right story tells us who we are.
Perhaps
it is the words that summon us.
The tale
is often wiser than the teller.
There is
no naked truth but what we wear.
So let me
bring this story to our bed.
The
world, I say, depends upon a spell
Spoken
each night by lovers unaware
Of their
own sorcery. In innocence
Or agony
the same words must be said,
Or the
raging moon will darken in the sky.
The night
grow still. The winds of dawn expire.
And if
I’m wrong, it cannot be by much.
We know
our own existence came from touch,
The new
soul summoned into life by lust.
And
love’s shy tongue awakens in such fire—
Flesh
against flesh and midnight whispering—
As if the
only purpose of desire
Were to
express its infinite unfolding.
And so,
my love, we are two lunatics,
Secretaries
to the wordless moon,
Lying
awake, together or apart,
Transcribing
every touch or aching absence
Into our
endless, intimate palaver,
Body to
body, naked to the night,
Appareled
only in our utterance.
Plantando uma sequoia
DANA GIOIA
Tradução de Marcelo Reis de Mello
Eu e meus irmãos trabalhamos a
tarde inteira no pomar,
Abrindo esse buraco, pondo você
nele, embalando com cuidado o solo.
A chuva enegrece o horizonte, mas
ventos frios seguram-na sobre o Pacífico,
E o céu sobre nós se torna fosco
e cinza
De um ano que encontra seu fim.
Na Sicília um pai planta uma
árvore pelo nascimento de seu primeiro filho –
Uma oliva ou figueira – sinal de
que a terra suporta uma vida a mais.
Eu teria feito o mesmo, aumentando
com orgulho o estoque do pomar de meu pai,
Um rebento verde crescendo entre
os ramos torcidos das maçãs,
A promessa de um novo fruto em
outros outonos.
Mas ajoelhamo-nos hoje no frio
para plantar você, nossa nativa gigante,
Desafiando a exequível tradição
de nossos pais,
Enrolando em suas raízes uma
mecha de cabelo, um pedaço do umbigo de um bebê,
Todos os vestígios do filho mais
velho sobre a terra,
Poucos átomos dispersos que o
trouxeram de volta à origem.
Nós lhe daremos o que pudermos –
nosso trabalho e nosso chão,
A água tirada da terra quando o
céu falhar,
Noites perfumadas pela névoa
marinha, dias suavizados pelo curso das abelhas.
Plantamos-te na quina do horto,
sob a luz do oeste,
Um tiro fino contra o crepúsculo.
E quando nossa família não
existir mais, mortos até seus irmãos não nascidos,
Cada sobrinha e sobrinho
espalhados, a casa demolida,
As cinzas da beleza da sua mãe no
ar,
Eu quero que você permaneça entre
estranhos, tudo efêmero e jovem para ti,
Guardando silenciosamente o
segredo do seu nascimento.
(Poema do livro Gods of Winter, de 1991)
Planting a
Sequoia
DANA
GIOIA
All afternoon
my brothers and I have worked in the orchard,
Digging
this hole, laying you into it, carefully packing the soil.
Rain
blackened the horizon, but cold winds kept it over the Pacific,
And the
sky above us stayed the dull gray
Of an old
year coming to an end.
In Sicily
a father plants a tree to celebrate his first son’s birth–
An olive
or a fig tree–a sign that the earth has one more life to bear.
I would
have done the same, proudly laying new stock into my father’s orchard,
A green
sapling rising among the twisted apple boughs,
A promise
of new fruit in other autumns.
But today
we kneel in the cold planting you, our native giant,
Defying
the practical custom of our fathers,
Wrapping
in your roots a lock of hair, a piece of an infant’s birth cord,
All that
remains above earth of a first-born son,
A few
stray atoms brought back to the elements.
We will
give you what we can–our labor and our soil,
Water
drawn from the earth when the skies fail,
Nights
scented with the ocean fog, days softened by the circuit of bees.
We plant
you in the corner of the grove, bathed in western light,
A slender
shoot against the sunset.
And when
our family is no more, all of his unborn brothers dead,
Every
niece and nephew scattered, the house torn down,
His
mother’s beauty ashes in the air,
I want
you to stand among strangers, all young and ephemeral to you,
Silently
keeping the secret of your birth
O
ANJO DA ASA QUEBRADA
DANA GIOIA
Tradução de Marcelo Reis de Mello e Eucanaã Ferraz
Eu sou o anjo da Asa Quebrada,
Deste aposento a única escultura.
Acham-me tão atroz que me trancaram
com ar condicionado nesta tumba.
Docentes louvam meu porte elegante
Sobre a galeria em buliçoso alarde.
Talvez eu seja disso uma obra-prima:
Perfeito emblema da futilidade.
Mendoza me esculpiu para uma igreja.
(Seu nome, já esquecido, só eu guardo.)
Vizinho de um altar dourado, onde
A Deus rogavam os desamparados.
Ouvi mulheres rezando a meus pés –
Aos réus, aos mortos, aos que não têm
nome.
Suas velas alongavam minha sacra
Sombra. Da fé tornei-me então a fome.
A asa esquerda quebrei na Revolução
(Até um santo degusta a ironia)
Quando vandalizaram a capela.
Foi um soco só – sem muita alegria.
Pois até os ímpios mudam numa igreja,
Seria esperança, medo? Alguém sabe?
Um tremor extinto por suas leis,
Memória ancestral que só ali se abre.
Há tantas coisas que eu diria a Deus!
Não o alcança o uivo dos condenados.
Fico esta coisa morta aqui num canto,
contra um céu de afresco, santo
aleijado.
(Poema do livro
Pity the Beautiful, de 2012)
THE ANGEL WITH THE BROKEN WING
DANA GIOIA
I am the Angel
with the Broken Wing,
The one large
statue in this quiet room.
The staff finds
me too fierce, and so they shut
Faith’s ardor
in this air-conditioned tomb.
The docents
praise my elegant design
Above the
chatter of the gallery.
Perhaps I am a
masterpiece of sorts—
The perfect
emblem of futility.
Mendoza carved
me for a country church.
(His name’s
forgotten now except by me.)
I stood beside
a gilded altar where
The hopeless
offered God their misery.
I heard their women
whispering at my feet—
Prayers for the
lost, the dying, and the dead.
Their candles
stretched my shadows up the wall,
And I became
the hunger that they fed.
I broke my left
wing in the Revolution
(Even a saint
can savor irony)
When troops
were sent to vandalize the chapel.
They hit me
once—almost apologetically.
For even the
godless feel something in a church,
A twinge of
hope, fear? Who knows what it is?
A trembling
unaccounted by their laws,
An ancient
memory they can’t dismiss.
There are so
many things I must tell God!
The howling of
the damned can’t reach so high.
But I stand
like a dead thing nailed to a perch,
A crippled
saint against a painted sky.
DINHEIRO
DANA GIOIA
Tradução de Marcelo Reis de Mello
O dinheiro é um tipo de poesia. – Wallace Stevens
Dinheiro, verdinha,
grana, gaita, ganga, cobre
ou só dindim.
Gasta tudo, paga logo,
vai: esbanja. Veja-o
abrir buracos nos bolsos.
Até ficar com seu cheiro! Juntar
até
dizer chega! Dólares, dobrões,
pepitas e títulos do tesouro.
Engraxa as mãos, enche o bucho,
põe o leite das crianças,
segura as pontas.
Dinheiro chama dinheiro.
Multiplica os juros e os agiotas.
Sempre de mão em mão.
Dinheiro. Você não sabe onde ele
andou,
mas leva-o, obediente, até a
boca. E diz:
Ele é que manda.
(Poema do livro Gods of Winter, de 1991)
MONEY
DANA
GIOIA
Money is a kind of poetry. – Wallace
Stevens
Money,
the long green,
cash,
stash, rhino, jack
or just
plain dough.
Chock it
up, fork it over,
shell it
out. Watch it
burn
holes through pockets.
To be
made of it! To have it
to burn!
Greenbacks, double eagles,
megabucks
and Ginnie Maes.
It
greases the palm, feathers a nest,
holds
heads above water,
makes
both ends meet.
Money
breeds money.
Gathering
interest, compounding daily.
Always in
circulation.
Money.
You don't know where it's been,
but you
put it where your mouth is.
And it talks.
bravo!!!!!!
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