terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Uma Tradução de LUÍS CERNUDA


Não dizia palavras,
O que se acercava era um corpo interrogante,
Porque ignorava que o desejo é uma pergunta
Cuja resposta não existe,
Uma folha cujo ramo não existe,
Um mundo cujo céu não existe.

A angústia dá um passo entre os ossos,
Remonta pelas veias
Até abrir-se na pele,
Surtidores de sonho
Feitos carne em interrogação ao redor das nuvens.

Uma carícia breve,
Um olhar fugaz entre as sombras,
Bastam para que o corpo se abra em dois,
Ávido de receber em si mesmo
Outro corpo que sonhe;
Metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
Iguais em figura, iguais em amor, iguais em desejo.

Ainda que seja só uma esperança,
Porque o desejo é uma pergunta cuja resposta ninguém sabe.

Há livros que pedem pra tomar um ar de vez em quando, dar uma volta na praça ou ir ao banheiro. Desta vez foi o caso do "Realidad y Deseo" do espanhol Luís Cernuda, que faz parte da mesma geração de poetas que Federico Garcia Lorca, Dámaso Alonso e Vicente Aleixandre, muito embora a estética de Cernuda se distancie bastante desse grupo, conhecido como a Geração de 27. O fato é que peguei o livro pra ler e caí direto nesses versos sobre o Desejo, com os quais me identifiquei "al toque". Para terminar com chave de ouro, mando no original em espanhol mais um trechinho de outro poema que mexeu muito comigo, chamado "Unos cuerpos son como flores":

Yo, que no soy piedra, sino camino
Que cruzan al pasar los pies desnudos,
Muero de amor por todos ellos;
Les doy mi cuerpo para que lo pisen,
Aunque les lleve a una ambición o a una nube,
Sin que ninguno comprenda
Que ambiciones o nubes
No valen un amor que se entrega.

com carinho,
m.r.mello.

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