quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Observações sobre a linguagem dos pássaros












A Linguagem dos Pássaros ou Confabulação Fonética é uma linguagem inarticulada por meio da qual quase todos os pássaros e alguns escritores se expressam da maneira mais irracional possível, ou seja, através do silêncio. A Confabulação Fonética não é mais que a outra cara do silêncio. (os pássaros mais jovens como também assim alguns escritores e músicos sofrem hoje por excesso de liberdade e estão em busca do seu pai perdido).

Os pássaros ambicionam escapar do círculo da árvore da linguagem – desmesurada empresa, tanto mais perigosa, quanto mais êxito alcançam nela –. Se conseguem escapar desentendem-se do que seja árvore e linguagem. Desentendem-se do silêncio e de si mesmos. Ignoram que se desentendem e não entendem nada como não sendo o indizível. Se desescutam do silêncio. Se desescutam de si mesmos. Querem desescutar-se do ouvido que alguma vez os escutou: (os pássaros não cantam: os pássaros são cantados pelo canto: despassarândosse de seus pássaros o canto se des-en-canta de si mesmo: os pássaros reingressam no silêncio: a memória reconstrói em sentido inverso “O Canto dos Pássaros”: os pássaros cantam ao avesso).

Os pássaros vivem fundamentalmente entre as árvores e o ar e dado que seus sentimentos dependem de suas percepções, o canto que emitem é uma linguagem transparente de seu próprio ser, ficando logo aprisionados por ele e fazendo com que cada canto trace então um círculo mágico em torno da espécie a que eles pertencem, um círculo do qual não se pode fugir, salvo para entrar em outro e assim sucessivamente até a desaparição de cada pássaro em particular e em geral até a desaparição e/ou dispersão de toda a espécie.

Os pássaros não ignoram que muitos poetas jovens torturam as palavras para que elas dêem a impressão de profundidade. Conclui-se que a literatura só serve para enganar as pobres pessoas sobre uma profundidade que não existe. Sabem que se tem aberto um abismo cada vez mais amplo entre a linguagem e a ordem do mundo e então se dispersam ou emudecem: dispersam dispersas migalhas no território do lingüístico para orientar-se no regresso (mas não regressam) porque não há aonde regressar e também porque eles mesmos se esmigalham em silêncio ante uma muda gritaria e tragam em silêncio seu próprio des-en-canto: descantam uma muda gritaria. Tragam em pequenos pedaços o silêncio de sua muda gritaria? : (cantando o des-en-canto descantam o silêncio: o silêncio os traga).

Através do canto dos pássaros, o espírito humano é capaz de dar-se a si mesmo jogos de significação em número infinito, combinações verbais e sonoras que lhe sugiram toda classe de sensações físicas ou de emoções ante o infinito. (Desvelar o significado último do canto dos pássaros equivaleria ao deciframento de uma fórmula enigmática: a eternidade incessantemente recomposta de um hieróglifo perfeito, no qual o homem brincaria a revelar-se e a esconder-se a si mesmo: quase o livro de Mallarmé).

Cantando ao avesso os pássaros desencantam o canto até cair em silêncio: – linguagem linguageando a linguagem –, linguageando o silêncio no esmigalhamento de um canto já sem canto. Dir-se-ia: (restos de um Logos: migalhas de um Logos: sobras sem nome para alimento de pássaros sem nome: pássaros famintos: (pássaros esfomeados pela miséria e pelo silêncio).

Desconstroem em silêncio, retrocedem de uma árvore a outra: (perderam o círculo e seu centro: querem cantar em todos os lugares e não cantam em nenhum): não podem calar porque não têm nada a dizer e não tendo nada picotam como último recurso as migalhas do nome do (autor): picotam em seu nome inaudível as sílabas anônimas do indizível Nome de si mesmos.


Poema de Juan Luis Martínez.
Tradução de Marcelo Reis de Mello.
A tela é de Frans Snyders e se chama "Concerto dos Pássaros".

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