sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

MATADOURO


O matadouro depende da religião no sentido em que os templos em épocas remotas (sem mencionar os hindus em nossos dias), tinham uma dupla função: serviam ao mesmo tempo para as pregações e para as matanças. Do que resultou sem nenhuma dúvida (podemos julgar pelo aspecto caótico dos matadouros atuais) uma perturbadora consciência entre os mistérios mitológicos e a grandeza lúgubre característica dos lugares onde corre o sangue. É curioso ver que na América do Norte se expressa uma rejeição aguda quando W. B. Seabrooks constata que a vida orgiástica ainda subsiste, mas que já não se acrescenta aos coquetéis o sangue dos sacrifícios, e considera insípidos os costumes atuais. Não obstante, no presente o matadouro é maldito e posto em quarentena como um barco infectado de cólera. Mas as vítimas dessa maldição não são os carniceiros ou os animais, senão essa mesma gente boazinha que chegou a não poder suportar mais do que a sua própria fealdade, uma fealdade que responde de fato a uma enfermiça necessidade de limpeza, de pequenez biliosa e de tédio: a maldição (que só aterroriza os que a proferem) os obriga a vegetar tão longe quanto possível dos matadouros, a exilar-se por correção em um mundo amorfo onde já não existe nada horrível e onde, sofrendo a indelével obsessão da ignomínia, se veem reduzidos a comer queijo.

Texto de Georges Bataille, extraído de seu livro "Dicionário Crítico".

Esse texto do Bataille talvez nos faça lembrar daquela radical e controversa ecologia do Slavoj Zizek, mas sobretudo desse famigerado "Spot" do poeta português Manuel de Freitas:

"A vida não pode ser assim
tão assustadora",
diz a margarina becel
em horário nobre,
para não-cardíacos.

O que, na verdade, me
deixa saudades da censura,
de uma censura nova
que exterminasse imbecis
e deixasse a terra a quem
ela é, como deve ser, pesada.



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