O matadouro
depende da religião no sentido em que os templos em épocas remotas (sem
mencionar os hindus em nossos dias), tinham uma dupla função: serviam ao mesmo
tempo para as pregações e para as matanças. Do que resultou sem nenhuma dúvida
(podemos julgar pelo aspecto caótico dos matadouros atuais) uma perturbadora
consciência entre os mistérios mitológicos e a grandeza lúgubre característica
dos lugares onde corre o sangue. É curioso ver que na América do Norte se
expressa uma rejeição aguda quando W. B. Seabrooks constata que a vida orgiástica ainda subsiste, mas que já não se acrescenta aos coquetéis o sangue dos sacrifícios, e considera insípidos os costumes atuais. Não obstante, no
presente o matadouro é maldito e posto em quarentena como um barco infectado de
cólera. Mas as vítimas dessa maldição não são os carniceiros ou os animais,
senão essa mesma gente boazinha que chegou a não poder suportar mais do que a sua própria
fealdade, uma fealdade que responde de
fato a uma enfermiça necessidade de limpeza, de pequenez biliosa e de tédio: a
maldição (que só aterroriza os que a proferem) os obriga a vegetar tão longe
quanto possível dos matadouros, a exilar-se por correção em um mundo amorfo
onde já não existe nada horrível e onde, sofrendo a indelével obsessão da
ignomínia, se veem reduzidos a comer queijo.
Texto de Georges Bataille, extraído de seu livro "Dicionário Crítico".
Esse texto do Bataille talvez nos faça lembrar daquela radical e controversa ecologia do Slavoj Zizek, mas sobretudo desse famigerado "Spot" do poeta português Manuel de Freitas:
"A vida não
pode ser assim
tão
assustadora",
diz a margarina
becel
em horário
nobre,
para
não-cardíacos.
O que, na
verdade, me
deixa saudades
da censura,
de uma censura
nova
que exterminasse
imbecis
e deixasse a
terra a quem
ela é, como deve
ser, pesada.
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