sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Lezama Lima revisitado, e em traje de gala.




Uns cinco anos atrás ouvi o Bernardo Vilhena (poeta e histórico parceiro do Lobão em suas composições) dizer que o livro não acabaria nem por reza. Ele dizia que o que fosse informação migraria para o virtual e o que fosse objeto de desejo permaneceria sendo impresso por muito tempo. Dito e feito. Nunca se imprimiram tantos livros no Brasil e casas como a Demônio Negro (hoje selo da editora Anna Blume), Cosac Naify e, mais azarona porém presente, a nossa Cozinha Experimental esbanjam talento na hora de produzir livros objetos de arte e, mais do que isso, objetos de desejo. 
Na Espanha não é diferente, a Del Centro Editores, de Madrid, lançou em 2012 o poema La madre – do poeta cubano José Lezama Lima – em edição fac-símile do original datilografado, com dedicatória manuscrita e assinatura do autor; a primeira edição da obra inclui também fac-símile de uma carta de Lezama Lima a sua irmã Rosa, com correções manuais, além de cinco fotografias impressas em papel fotográfico com margens transparentes, que podem ser destacadas, em que aparecem Lezama, sua irmã e familiares. A publicação foi feita em baixa tiragem, com caixa elaborada em papel e tecido estampados à mão. Cada um dos cem exemplares numerados e assinados pelo editor custa 120,00.

Nascido no acampamento militar de Columbia, Lezama viveu em Havana até seus últimos dias, falecendo em 1976. Precursor do neobarroco latino americano, é autor do romance Paradiso, traduzido para o português pela poeta Josely Vianna Baptista e publicado pela editora Brasiliense em 1987, romance que é citado no filme Fresa y chocolate (coprodução Cuba/México/Espanha, com direção de Tomás Guitiérrez Alea) como o romance maior da ilha. Lezama Lima é o poeta que abre a coletânea Caribe Transplatino – Poesia neobarroca cubana e rioplatense (Iluminuras, 1991) organizada pelo também poeta Néstor Perlongher e traduzida pela mesma Josely Vianna. Hoje estudado em universidades de todo o mundo, é possível afirmar que, se como disse Antônio Risério “o Barroco foi a única coisa que uniu a América Latina”, o neobarroco foi a última coisa que tentou reatar esses laços, se tornando uma teoria-escola-estilo que abarcou poetas de todo o continente e também da península Ibérica. Para terminar a conversa, segue um trecho do seu surreal, intimista e ao mesmo tempo histórico poema “Uma ponte, uma grande ponte”, pg. 35 de Caribe Transplatino:

Em meio às águas congeladas ou ardentes,
uma ponte, uma grande ponte que não dá para ver,
mas que caminha sobre sua própria obra manuscrita,
sobre sua própria dúvida em poder se apossar
das sombrinhas das mulheres grávidas,
com a gravidade de uma pergunta levada em lombo de mula
que tem que cumprir o ofício
de transformar ou alongar os jardins em nichos
onde os meninos confiam seus cachos às ondas,
pois as ondas são tão artificiais quanto o bocejo divino,
como o jogo dos deuses,
como o caracol que cobre a aldeia
com uma voz roladora de dados,
de quinquênios, e de animais que passam
pela ponte com a última lâmpada
de segurança de Edison. A lâmpada, felizmente,
estoura, e no avesso da cara do operário,
me divirto colocando alfinetes,
pois era um de meus amigos mais bonitos,
a quem eu invejava em segredo...

Fontes e para saber mais:

por Homero Cintilante, jornalista e fisioterapeuta.

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