quarta-feira, 4 de maio de 2011

INFINÍNFIMOS I - Allen Ginsberg

A tradução feita por Leonardo Fróes para a Sutra do Girassol de Ginsberg me puxou pelos ipês dos pés desde o primeiro instante & me enfiou plantado nas mesmas redes das raízes de aço em que o bardo sentou-se para ver as flores & as ladeiras & as locomotivas malucas de San Francisco que apitam & engasgam com suas próprias cinzas

"e o cinzento girassol se equilibrando ao sol-posto, desmanchando-se abatido na invasão da fuligem, da fumaça, do pó de velhas locomotivas no olho-corola e também coroa com as pontas amassadas virando, com sementes despencando do rosto, rompendo em breves dentes um dia claro, raios de sol grudando em seu cabelo riscado como uma exangue teia de aranha de arame; caule com braços-folhas jogados, os gestos da raiz de serragem, pedaços de reboco minando nos galinhos queimados e uma mosca estagnada no ouvido, você de fato era uma incrível coisa imprestável, ó meu girassol minha alma, e como eu te amei então!"

& como não amar esse girassol imprestável, seu olho-corola & também coroa procurando o sol entre penicos, pneus & camisas de venus; esse girassol esquecido na metrópole, subúrbio & todas essas flores mínimas esquecidas em quintais abandonados; girassóis que brotam das fissuras do asfalto como frágeis e luminescentes fagulhas da nossa imbecilidade cotidiana, bem no meio da nossa urbana & mítica cegueira ou nosso
"falo ou tumor mortiço do imundo motor moderno industrificial disso tudo, o bafo da civilização poluindo tua coroa muito louca de ouro - esses turvos pensamentos de morte, a grande falta de amor em fins e olhos tapados, raízes abafadas em areia e serragem, os dólares raspantes elásticos, o couro das máquinas, as tripas enroscadas de um carente carro que tosse, as solitárias latas baratas com línguas rotas de fora, e o que mais seja, a cinza que escorre pela boca na ereção de um charuto, a boceta de um carrinho de mão, ou os seios acesos de viaturas lácteas, o rabo gasto que as cadeiras expelem, o esfíncter dos dínamos..."
Metáforas e aliterações tão velozes quanto o tráfego das highways americanas, & espontâneas, & tão urbanas quanto humanas. O efeito que se produz com esse contraste é avassalador & talvez nenhum outro poeta tenha conseguido isso melhor do que o poeta beat. Seu verbo selvagem, violento, transpira ao mesmo tempo a sua erudição & as raízes vivificantes da sua poesia, de easy rider culto, de louco & de ídolo da contracultura. Os olhos de Ginsberg conseguiram entrever a ternura por traz das máscaras & engrenagens do nosso tempo, das nossas vidas. Por fim, o poeta uiva & seu uivo ecoa nos tímpanos da humanidade:
"Não somos a sujeira da pele, não somos nossa locomotiva medonha triste poeirenta com ausência de imagem, nós somos todos uns lindos girassóis por dentro, somos sagrados por nossas próprias sementes & peludos pelados dourados corpos de ação virando girassóis ao crepúsculo loucos girassóis formais e negros que esses olhos espiam".

Evoé!
Marcelo Reis de Mello.


Aqui você lê a Sutra do Girassol na íntegra. Aqui você lê um ensaio de Claudio Willer, que também traduziu Allen Ginsberg para o português e inclusive se correspondeu com o poeta. Aqui você lê os poemas originais em inglês.

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