segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Eucanaã Ferraz

Hoje tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o sr. Eucanaã Ferraz. Além de articulado e interessante, o cara é seguramente um dos melhores poetas do Brasil dos últimos tempos. Não é loucura da Heloísa Buarque de Hollanda. Diferentemente da massa (pseudo) cinzenta de poetas contemporâneos adorados pela crítica, o Eucanaã tem conteúdo, sensibilidade genuína e refinamento técnico. Não é cabralino, nem fecha com Gullar. Sua poesia está claramente situada entre as possibilidades do sentir e do mentar; entre a inspiração e a transpiração necessárias à arte que mereça o nome. Longe de querer afirmar a necessidade das fórmulas, os poemas de Eucanaã Ferraz falam por si próprios, com erudição precisa, lirismo e força verbal. Deixo aqui um poema que ele escreveu pensando sobre a inusitada relação do Thomas Mann com a mãe brasileira; e sobre o que deveria representar o Brasil (o exotismo da América tropical) na cabeça do escritor alemão:

Eram penhas entre águas enormes, dizia...
...
Eram penhas entre águas enormes, dizia,
e os filhos ouviam, atentos.

Mas, como explicar aquelas pedras,
ainda hoje, na memória, prazer

e, a um só tempo, perigo,
o conforto e a vertigem?

Como fazê-los ver com palavras
o que vira com os olhos e,

não poderia dizer,
com o estômago,

com tremor nas pernas
e o sentimento sublime da morte?

Os olhos de Thomas e Heinrich, porém,
brilhavam como se vissem,

como se ouvissem o que ela,
por pudor, não diria.

Argumentava que, à época, era apenas
uma criança, que se recordava pouco.

Mas os dois meninos esperavam.
Seus olhos esperavam.

Era uma tolice, claro, mas
até seus cabelos pareciam atentos.

Tudo neles, enfim, brilhava
e assistia.

Um novo detalhe, por vezes,
– inventava? – emergia abrupto.

Dizia, então, do sabor da cana, seu sumo,
de uma flor sem nome, vermelha,

ou era um vestido vermelho,
de homens e mulheres pretos,

de haver passado pela porta de uma loja
em que se vendiam carnes secas.

Mas, freqüentemente, apenas relembrava
o dia com a família à Praia do Russel.

Ela era uma menina e era bom correr
e cansar, como se girasse em torno do sol,

(o sol, como nunca mais)
à beira do mar e da felicidade,

à beira da beleza
como de um precipício.

E, quando contava, era sempre assim,
já não era mais a senhora Mann,

nem mesmo a senhorita Bruhns,
mas, tão-somente, Julia.

E não sabia como responder aos filhos,
mãe, conta-nos como é o Brasil.

Sabia como era Deus, o desconforto
do vazio, o gosto adocicado da saudade.

Mas não diria. O silêncio diria?
E, era uma tolice, claro, mas

era como se os filhos entendessem, os olhos,
os cabelos, os dentes deles entendessem.
...
...
No site do Eucanaã Ferraz, há uma generosa lista de poemas e outros tantos bons trabalhos do autor. Um excelente encontro para este finzinho ensolarado de Agosto. Evoé!
...
Marcelo Reis de Mello.

Um comentário:

  1. Oi, Marcelo, muito obrigado pelo comentário e pela publicação do poema. Um abraço.

    ResponderExcluir