quinta-feira, 30 de junho de 2011

Infinínfimos IV - Cassiano Ricardo


Manhã de sol. Baía da Guanabara. Mendigos e bicicletas. Velas no mar. Tiro a camisa, sento-me perto dos barcos e dos gatos, espero meu amigo Ricardo Potsch. Abro o livro de um outro Ricardo, o Cassiano, modernista de Martim Cererê, caçador solitário de papagaios inexistentes, entomologista de pequenos insetos coloridos parecidos com camafeus. A antologia que hoje carrego quem fez foi o Rubem Braga, em 1964. O poema fica melhor se lido com calma e se chama

VOCÊ E O SEU RETRATO

Por que tenho saudade
de você, no retrato,
ainda que o mais recente?

E por que um simples retrato,
mais que você, me comove,
se você mesma está presente?

Talvez porque o retrato,
já sem o enfeite das palavras,
tenha um ar de lembrança.

Talvez porque o retrato
(exato, embora malicioso)
revele algo de criança

(como, no fundo da água,
um coral em repouso).

Talvez pela idéia de ausência
que o seu retrato faz surgir
colocado entre nós dois

(como um ramo de hortênsia).

Talvez porque o seu retrato,
embora eu me torne oblíquo,
me olha, sempre, de frente

(amorosamente)

Talvez porque o seu retrato
mais se parece com você
do que você mesma (ingrato).

Talvez porque, no retrato você está imóvel.(sem respiração...)

Talvez porque todo retrato é uma retratação.

Abraços do fundo do
Mar.

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